Em seu prefácio, Freud diz que o objetivo deste trabalho é reunir os princípios da psicanálise de forma concisa, “por assim dizer, dogmaticamente”, isto é, sem a preocupação de despertar convicção, preocupação normalmente presente em seus escritos.
Parte I – A mente e o seu funcionamento
O Aparelho Psíquico é normalmente relacionado ou ao órgão corporal (sistema nervoso) ou aos nossos atos de consciência. A mais antiga localidade psíquica é o ID, presente desde o nascimento, são os instintos, que se originam na organização somática. Depois uma nova região é desenvolvida: o EGO, que intermediará as necessidades do ID diante da influência do mundo externo. A influência parental durante a infância cria uma terceira força que o EGO tem de levar em conta: o SUPEREGO.
A Teoria dos Instintos refere-se às exigências somáticas que são feitas à mente. Precisamos considerar dois instintos básicos: Eros (libido) com objetivo de estabelecer unidades cada vez maiores e preservá-las e o instinto destrutivo com objetivo de destruir estas unidades, por isso também chamado instinto de morte. Quando o SUPEREGO se estabelece, quantidades consideráveis do instinto agressivo fixam-se no interior do EGO e lá operam autodestrutivamente. Conter a agressividade é, em geral, nocivo e conduz à doença.
Sobre o Desenvolvimento da função Sexual, a Psicanálise, apresenta as seguintes afirmações: (a) a vida sexual inicia-se logo após o nascimento, (b) “sexual” e “genital” são conceitos distintos e (c) a vida sexual inclui a função de obter prazer das zonas do corpo.
A primeira zona erógena é a boca e toda atividade psíquica se concentra em fornecer satisfação a esta zona. Durante esta fase oral ocorrem impulsos sádicos, juntamente com o aparecimento dos dentes. A segunda fase é descrita como anal-sádica porque a satisfação é procurada na agressão e na função excretora. A terceira fase é conhecida como fálica e é nela que o menino começa a manipular seu pênis e influenciado pela ameaça da castração, vivencia um de seus maiores traumas e entra num período de latência. Na puberdade a fase genital completa a organização sexual. Esta organização estará impregnada das experiências das fases anteriores podendo levar a diversos distúrbios que só serão entendidos se procurarmos na história do começo da vida do indivíduo.
Qualidades Psíquicas, apesar de normalmente ligadas à consciência, serão melhor entendidas se dermos maior ênfase aos processos somáticos, isto é, nos voltarmos para o inconsciente. Construímos uma sequência de ocorrências conscientes, complementar aos processos psíquicos inconscientes. A recorrência vem da proximidade em relação à consciência, uma área que vamos chamar de pré-consciente. O que ocorre durante um tratamento analítico pode ocorrer espontaneamente, algo do inconsciente pode se transformar em pré-consciente e, então, tornar-se consciente. Inversamente, o material pré-consciente pode tornar-se temporariamente inacessível e bloqueado por resistências. O interior do ego, que encerra, acima de tudo, os processos de pensamento, possui a qualidade de ser pré-consciente. O ego e o Superego apresentam esta característica de pré-consciência, mas em sua maior parte são inconscientes. O Id e o inconsciente estão ainda mais ligados que o Ego e o pré-consciente. Os processos no inconsciente ou no Id obedecem a leis que denominamos de processo primário, em contraste com o processo secundário que regula as ocorrências do pré-consciente, no Ego.
A Interpretação de Sonho se mostra bastante favorável ao nosso estudo de conflitos entre o Ego e o Id, onde os conteúdos do Id inconsciente têm perspectiva de forçar caminho para o Ego, normalmente resguardado através de resistências (anticatexias). O que lembramos depois de termos acordado difere do verdadeiro processo onírico, este processo chamamos de elaboração onírica, e ele nos mostra como é modificado pelo Ego para poder aflorar. O sonho pode originar-se do Id ou do Ego e o dormir, por sua proximidade com a vida intrauterina, afrouxa as resistências do Ego consciente, permitindo ao Id uma liberdade inofensiva, que traz memórias que o sonhador esqueceu ou símbolos linguísticos aparentemente desconhecidos da pessoa que sonha ou memórias da tenra idade. Há também uma tendência para a condensação e o deslocamento que apesar de dificultar uma interpretação estão vinculados ao processo primário do Id. Outro ponto que chama atenção é a manifestação através de ideias opostas, setas de uma mesma direção. Apesar das dificuldades o problema pode ser solucionado, não sem a ajuda das associações do próprio sonhador. Os sonhos são invariavelmente o produto de um conflito, eles são uma espécie de estrutura de conciliação.
Parte II – O Trabalho Prático
A Técnica da Psicanálise trabalha a partir da ideia de que é função do ego enfrentar as exigências levantadas por suas três relações de dependência – da realidade, do Id e do Superego – e não obstante preservar sua organização e manter sua autonomia. O enfraquecimento do ego é a pré-condição para os estados patológicos. No processo analítico o ego enfermo se apoia na experiência do Analista em interpretar as influências do inconsciente, para identificar de que forma e porque o ID e o Superego o estão enfraquecendo. No entanto, nos casos dos psicóticos, a pressão foi tão grande que já comprometeu a visão da realidade, de forma que o processo só é possível com os neuróticos, porque estes ainda mantêm contato com a realidade. Sinceridade completa de um lado e discrição absoluta do outro este é o pacto, que levará o paciente a dizer mais do que sabe e esconde de outras pessoas. Ele dirá também o que não sabe, através do exercício de dizer tudo que lhe vem à cabeça mesmo que desagradável ou aparentemente sem importância, e da transferência que fará para o analista, de sentimentos e reações que tinha com alguma figura importante de seu passado, geralmente o pai ou a mãe.
Esta transferência pode ser tanto de forma positiva como negativa. Se positiva, além da dramatização que fará similar ao que fazia, o paciente passará a se esforçar mais no processo, agora não só para se curar, mas para agradar o Analista. Ele também escutará mais o Analista e este deve tomar cuidado para não reforçar a dependência através de conselhos. Seu objetivo, pelo contrário, é aumentar a independência do paciente.
Se a transferência for negativa, o que pode acontecer de forma alternada, estes conselhos serão também desprezados. O paciente deve estar consciente do processo de transferência, de forma a encarar a relação com o Analista como um reflexo do passado e poder aprender com a própria observação de suas reações. O autoconhecimento é a base do método.
Através da transferência, da livre associação, das informações fornecidas, dos sonhos, dos lapsos ou parapraxias, o Analista faz construções ou explicações do que aconteceu ao paciente e foi esquecido. Mas esta construção se apresentada antes que o próprio paciente esteja bem perto de percebê-la, se transformará em grande resistência que poderá bloquear o processo. Desta forma a construção deve antes de tudo nortear o Analista na sua tarefa de fazer o paciente enxergar por si mesmo.
As resistências têm várias origens, entre elas a dificuldade do ego de admitir sua fraqueza; a necessidade de sofrer, proveniente de um Superego repressor que levou a um grande sentimento de culpa e o instinto de autopreservação invertido.
“Se acreditamos que as neuroses não diferem, em qualquer aspecto essencial, do normal, o seu estudo promete render valiosas contribuições para o conhecimento do normal. Pode ser que assim descubramos os “pontos fracos” de uma organização normal.”
Durante o processo o Analista tem a seu lado a vontade do paciente e a transferência positiva, por exemplo, e contra ele as resistências do ego enfermo. As Neuroses nascem em tenra idade (até os seis anos), mas podem não aparecer imediatamente, ficando latentes, a espera de uma situação específica que acentuará a incapacidade do ego como mediador entre o ID, o Superego e a realidade. Pode-se dizer que os sintomas das neuroses são, sem exceção, ou uma satisfação substitutiva de algum impulso sexual ou medidas para impedir tal satisfação, e, normalmente, são conciliações entre as duas, do tipo que ocorre em consonância com as leis que operam entre contrários, no inconsciente. O ponto fraco na organização do ego parece residir em sua atitude para com a função sexual. Em analogia ao herói que matou o pai e tomou a mãe como esposa, não de forma intencional, mas como se fosse inevitável, temos então o complexo de Édipo para nos ajudar a compreender este processo que acontece justamente entre os três e os seis anos. O complexo de castração é a culminância do processo e dependerá das relações quantitativas envolvidas, a magnitude do dano causado.
Parte III – O Rendimento Teórico
O Aparelho psíquico e o Mundo Exterior.
O nosso procedimento na Psicanálise é semelhante ao da Física. Preenchemos lacunas existentes nos fenômenos de nossa consciência com métodos técnicos do mesmo modo que um físico faz uso das experiências. Nossas limitações pessoais para completar estas lacunas ainda nos parecem muito grandes, mas eram espantosas também as exigências que se faziam à personalidade dos que efetuavam observações com microscópios se consultarmos antigos livros didáticos sobre o assunto.
No âmago de nosso ser esta o ID, onde operam os instintos orgânicos, compostos de duas forças primevas (Eros e destrutividade), cujas satisfações se fossem desregradas, nos levariam a conflitos com o mundo exterior e mesmo a extinção.
O ego se desenvolveu a partir do ID mediando e interpretando suas relações com o exterior. Da mesma maneira que o ID é voltado unicamente para a obtenção de prazer, o ego é dirigido por questões de segurança, atendendo à questão da autopreservação que o ID parece negligenciar. Na infância o ego ainda não está forte o suficiente para lidar com a repressão do sexual e evitaríasse muitas neuroses se fossemos mais liberados em relação ao sexual nesta primeira fase, como acontece com muitos povos primitivos.
O Mundo Interno.
No fim da infância o Ego incorpora parte do mundo exterior, que se torna parte do mundo interno. Esse novo agente, chamado de Superego, observa o Ego, dá-lhe ordens, julga-o e ameaça-o com punições, exatamente como os pais cujo lugar ocupou. Mas ele acaba se tornando ainda mais poderoso, pois ele tem acesso a nossos pensamentos e ações não executadas. Numa generalização, podemos dizer que enquanto o ID representa o passado orgânico, o Superego representa o passado cultural, ele assume uma espécie de posição intermediária entre o ID e o mundo externo.