Construções em Análise

Freud inicia o artigo citando alguém que sempre foi justo em relação à psicanálise, mas que, no entanto, fez um comentário depreciativo e injusto referente à interpretação que é feita pelo analista. Esta pessoa dizia que se o analista cita sua interpretação ao paciente e esta é aceita, então o Analista está certo, mas se a interpretação é criticada pelo paciente, então o paciente está fazendo uma resistência e o Analista também está certo. Este é um ponto sempre considerado pelos opositores da análise e que, portanto merece ser mais bem detalhado. O objetivo da análise é a lembrança por parte do paciente de ocorrências antigas reprimidas que o levaram aos sintomas e inibições que apresenta. Os elementos que se dispõe para a análise são: trechos de sonhos, apesar de comprometidos pela forma como são compostos, a associação livre, repetições e a relação de transferência que é trabalhada de forma a favorecer o retorno destas condições emocionais.

Freud compara este processo de construção do quadro que levou as neuroses com a reconstrução feita pelo arqueólogo. Este encontrará no máximo pedaços de algo destruído pelo tempo através de ação mecânica, saque, fogo ou outros. E sempre será necessária a suplementação e a combinação das partes que sobreviveram. O analista tem a vantagem de trabalhar com elementos vivos através das repetições e do processo de transferência. Contra o analista ele cita a extrema complexidade do psíquico em comparação com o material físico e a total falta de conhecimento do que se poderá encontrar.

A reconstrução para o arqueólogo é o seu objetivo final, enquanto para o analista, ela é apenas um trabalho preliminar. Preliminar mas que nem por isso precisa estar concluído para se seguir para a próxima etapa, pelo contrário, através da informação de uma parte da construção ao paciente, geram-se reações emocionais que ajudarão a esboçar novas partes da construção. Em seu trabalho como um todo Freud falou muito pouco sobre construções porque ele costumava chamá-las de interpretações, concluindo posteriormente que a palavra construção é mais adequada. Nesta matéria ele foca somente este trabalho preliminar de construção.

Ele inicia suas considerações através do risco de que esta construção esteja errada e possa estar atrapalhando o processo de análise como um todo. A experiência mostrou que uma construção errada não trará danos além do desperdício de tempo. Se for identificado que o paciente não foi tocado pela apresentação da construção o correto é partir para uma nova construção e uma vez que esta nova construção tenha sido identificada, apresentá-la ao paciente, se desculpando pelo erro anteriormente cometido. O perigo de desviar o paciente dos pontos importantes viria da própria ação errada do analista não pela sua interpretação em si, mas pela condução equivocada forçando este seu pensamento e deixando de ouvir o paciente.

Como citado na objeção no inicio desta matéria, um sim nunca será simplesmente um sim, assim como um não nunca será simplesmente um não. O analista precisa avaliar cada reação posterior à apresentação da construção ao paciente. Vai ser através de pequenas reações e das novas informações que o paciente trará que o analista poderá concluir se sua construção foi correta ou não. Um sim, por exemplo, será confirmado através das novas lembranças que virão ao paciente, ampliando a construção. O não, além da própria resistência, pode está relacionado à insatisfação do paciente com a completude da construção apresentada. Enquanto ele não tiver a visão total da construção ele não estará satisfeito com ela e, portanto terá tendência a negá-la. Expressões como “nunca pensei”, “nunca teria pensado nisso” ou “isso”, são formas indiretas de confirmação que podem ser traduzidas como um sim. Reforçando o que foi dito anteriormente, a experiência tem mostrado que este tipo de respostas tem ocorrido mais em interpretações isoladas do que em apresentações de amplas construções.

Outras formas de confirmações positivas, mas também indiretas poderão ser observadas. Por exemplo, a palavra “também” citada pelo paciente numa fala posterior sobre um assunto distinto em que o “também” não tem nenhuma justificativa, pode indicar que naquele caso o analista também estava certo. Também temos confirmações indiretas através de parapraxias. Freud cita uma passagem em que ele diz ao paciente que este estava considerando os honorários muito altos e este responde ao invés de “Dez dólares não são nada para mim”, “Dez xelins não são nada para mim”.

Em casos de tratamentos com reação terapêutica negativa como no caso de sentimento de culpa, necessidade masoquista de sofrer ou repugnância de receber auxílio do terapeuta, o comportamento posterior à apresentação da construção, se o paciente foi tocado pela construção, será apresentar um agravamento dos seus sintomas e piora no estado geral, devido ao medo da aproximação da verdade. Pelo apresentado pode-se confirmar que é injustificada a objeção inicialmente apresentada. Geralmente somente no decorrer da análise após a apresentação da construção é que ela poderá ser validada. Nunca imediatamente após a sua apresentação. Aqui Freud cita uma farsa de Nestroi, onde um criado tem sempre uma única resposta para qualquer questão: “Tudo se tornará claro no decorrer dos futuros desenvolvimentos”.

Antes de concluir Freud diz que “O caminho que parte da construção do analista deveria terminar na recordação do paciente, mas nem sempre ele conduz tão longe”. Não é sempre que o paciente vai recordar o que foi reprimido, mas, a análise bem feita pode levá-lo com segurança a percepção desta construção levando a solução do problema mesmo sem lembrar-se do que estava reprimido. Aqui ele levanta uma questão que não será investigada nesta matéria: como é possível que alguma coisa que é uma substituição produza o resultado completo?

Freud inicia sua conclusão citando mais um exemplo de reação após a apresentação da construção que é a lembrança “ultra clara” de detalhes relativos ao ambiente ou local aonde se desenvolveu o tema apresentado na construção, por exemplo, rostos das pessoas ou móveis presentes no ambiente citado. Estas lembranças “ultra claras” apesar de não ampliarem a construção funcionavam como um conciliador em relação ao material apresentado. Estas lembranças vinham depois através de sonhos ou de fantasias acordadas, e apesar de conciliatórias demonstram uma resistência, pois tiram o foco do tema principal da construção e deslocam para detalhes de menor significado.

Freud então compara estas recordações com alucinações mostrando que elas podem ser lembranças de uma época distante na infância de algo significativo que foi esquecido e que precisa retornar. Algo que a criança viu ou ouviu numa época em que ainda não podia falar e que agora força seu caminho para a consciência, obviamente deformada ou deslocada devido a forças que se opõem a este retorno. Num delírio normalmente são valorizados o afastamento do mundo real e suas forças motivadoras. Freud aqui coloca a responsabilidade do delírio e suas deformações na luta entre a necessidade de realização do desejo e as resistências despertadas por este. Ele sugere abandonar o esforço de negação do delírio e de sua contradição com a realidade e ao invés disso, reconhecer o núcleo de verdade presente no delírio identificando as deformações e ligações com o momento presente. E desta forma então, tentar reconectar com o ponto do passado a que este desejo pertence. A transposição do material do passado para o presente ou para uma expectativa futura ocorre com frequência nos neuróticos e é bastante frequente um neurótico em estado de ansiedade esperar a ocorrência de algum acontecimento terrível sob a influência de uma lembrança reprimida. Algo que naquela ocasião terrificante realmente aconteceu. Esse mesmo tipo de análise seria de grande valia se aplicado também aos psicóticos mesmo que não conduzisse ao sucesso terapêutico.

Freud reconhece que fugiu do tema, mas não poderia resistir à sedução desta analogia. Os delírios de um pacientes são os equivalentes das construções que erguemos no curso do tratamento analítico. Freud encerra colocando a humanidade no divã, e verificando que também nela se desenvolveram delírios. Estes delírios coletivos também têm seu elemento de verdade histórica que os trouxeram à tona, a partir do recalque do passado esquecido.

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